Existe um momento inevitável na vida de qualquer uma pessoa que cursa ou é formada em Psicologia, seja Analista do Comportamento ou não, que é quando você está em uma mesa de bar ou lanchonete e alguém inventa de te apresentar como 'este é aquele meu amigo que eu falei que é gente boa e estuda Psicologia'.
Esta postagem é sobre estes tipos de situação e tem como objetivo explicar porquê aquela ideia daquele livro de auto-ajuda não é Psicologia em uma perspectiva Behaviorista Radical (sem ficar falando que nem um papagaio 'mentalismo' ou 'behaviorismo radical')!
Não é difícil para quem está em graduação ou mesmo graduado em um curso de Psicologia e se depara com aqueles momentos emblemáticos do dia a dia em que alguém (seja amigo, conhecido ou familiar) solta perguntas sobre seu campo de atuação e já vem com pressuposições de como são as teorias e pior... Baseadas em Auto-Ajuda.
"Que comecem os Jogos" ou "A treta está lançada" ou "Isso vai dar em merda!" |
Em meio a um almoço entre amigos profissionais da área de saúde sobre diversos temas em torno de ser profissional de saúde, uma das pessoas da mesa ao perceber que estava almoçando com dois psicólogos, resolveu "tirar suas dúvidas" sobre diversas coisas. Digo dúvidas entre aspas, porque, normalmente, as pessoas vem com ideias preconcebidas e buscam validá-las com um profissional conhecido. Estas ideias preconcebidas, normalmente, são baseadas em leituras de livros de Auto-Ajuda, que muitas vezes são confundidos com livros de Psicologia.
A amizade em questão perguntou/defendeu/argumento em favor da Teoria Humoral (quase engasguei com uma espinha de peixe)! Para quem não conhece, trata-se de uma teoria grega, baseadas nos quatro elementos que, segundo eles, todas as demais coisas do universos precederiam. Cada pessoa supostamente seria marcada mais fortemente por um determinado traço de humor, podendo expressar outros traços de humor, mas sempre haveria um traço de humor principal. Cada humor estaria relacionado com um determinado fluido corporal. Os fluidos corporais eram: sangue, bílis amarela, bílis negra e fleuma. Elas seriam referentes, respectivamente, aos temperamentos: sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático.
Não estou muito certo quanto ao livro em que li a respeito, mas tenho quase certeza que foi em um livro chamado "História da Psicologia Moderna" de Schultz & Schultz. Bom, se não for ele, ainda assim é uma excelente leitura sobre a história da Psicologia.
Por curiosidade, acabei de lembrar o nome do livro que a amizade leu. Ele se chama: "Por Que Agimos Como Agimos?" de Tim LaHaye. Lembrando que as críticas e pontos de vistas que traremos são baseados e contrabalanceados aos relatos da amizade, podendo o livro ter outras fundamentações filosóficas, ainda que continuemos a crer que sejam fundamentações duvidosas, posto que a principal referência histórica que temos é de uma teoria filosófica de Psicologia Pré-Científica. Pré-Científico aqui diz respeito às teorias anteriores às formulações e experimentos de Wundt, não diz respeito em nada com o atual estado do que é Ciência e métodos de validação de uma teoria.
Quando não estamos habituados a conversar com pessoas que não são da Psicologia, normalmente, causamos um desserviço à nossa classe em vez de esclarecer aos coisas. Isto porque somos ansioso em tentar explicar de maneira complexa cada detalhe específico que leva esta ou aquela ideia de Psicologia a não ter fundamento algum. Somos reforçados pela nossa comunidade verbal acadêmica a, muitas vezes, ser intolerantes com as dúvidas e incoerências filosóficas dos colegas. Por fim, a pessoa sai com mais dúvidas do que esclarecimentos e, isso tudo, porque não fomos pragmáticos ao explicar. Muitas vezes ficamos sob controle de estimulação aversiva do comportamento verbal dos amigos ao tentarmos explicar algo que, em vez de nos comportarmos em função de esclarecer o que é Psicologia, nos comportamentos em função de atacar (contracontrole) os argumentos do colega.
A saída que sugiro e que utilizei são (mais a frente darei modelo informal):
- Validar a explicação do colega, demostrando que você compreendeu o que ele disse para prevenir que o colega se utilize de mais argumentos circulares para defender sua perspectiva. Caso pareça ao seu interlocutor que você não compreende seus argumentos, abre premissa para mais explicações às quais você tenta se opor.
- Em paralelo a estas ações, questioná-lo de modo amável se nomear um evento é o suficiente para explicá-lo.
- Se não ficar claro que nomear não é explicar um fenômeno, deixe claro que o comportamento que foi nomeado não é a causa do próprio comportamento. Normalmente, as pessoas são reforçadas a indicar o próprio comportamento como a causa em si mesmo ('ele está chorando pois está triste', mas quando perguntamos como saber se a pessoa está triste a resposta é 'ele está triste porque o vemos chorar').
- Esclareça que o Profissional de Psicologia não está interessado apenas em nomear emoções e sentimentos, descrever topograficamente comportamento, mas criar meios que transformem e melhorem a vida das pessoas. Uma teoria que apenas nomeia o comportamento e não dá suporte para a mudança é apenas uma literatura do comportamento e está muito distante do que de fato é Psicologia.
Dando modelo informais:
- "Entendi o que você quis dizer, mas posso perguntar uma coisa?"
- "Esse cara que você leu apenas deu nomes aos comportamentos, mas de que maneira isso explica o comportamento?"
- "Certo, essa Teoria Humoral diz que temos traços de temperamento, mas isso não seria a descrição de que maneira a pessoa se comporta em vez de causa do comportamento? [Utiliza exemplo da tristeza e do chorar] (Note que isso é uma maneira de distanciar o seu colega de uma perspectiva mentalista sem ter que gastar meia hora explicando o que é mentalismo)
- "Bom, acontece que a Psicologia não tem interesse apenas em nomear os comportamentos das pessoas, temos principalmente um compromisso ético com produzir melhorias sociais e este autor com esta teoria não possibilita este tipo de tecnologia, apenas te fornece uma forma de descrever os contornos do comportamento, mas não suas causas ou como mudá-los"
Se não ficou claro ainda, a primeira parte desta postagem se focou em dar suporte teórico para quem é estudante de Psicologia compreender porque "de cara" a Teoria Humoral é desinteressante para o atual estado da Psicologia. Porém, em ambientes sociais, nossos amigos e familiares não tem interesse em ouvir uma palestra enfadonha de Psicologia e, sim, estão interessados em "jogar conversa fora". No entanto, em meio a "jogar conversa fora" podemos esclarecer um pouco o que é e o que faz um Psicólogo sem tornar a conversa chata e sem graça, ou mesmo, sendo grosseiro e desrespeitoso com o colega.
É importante lembrar: se o colega te perguntou algo de Psicologia é porque ele acredita que você tenha competência para conversar sobre o assunto e tornar as coisas mais claras, mesmo que esta pessoa queira muito acreditar em uma teoria infundada... Lembremos que teorias e perspectivas mentalistas são fortemente reforçadas pela comunidade leiga e que teorias mentalistas tem apelo estético e emocional muito marcantes!
Eu diria, inclusive, que aprender a explicar de maneira leve e descontraída aos amigos em mesa de bar sobre as balelas filosóficas que nos ensinam sobre o que Psicologia e o que é o psicológico seja um ótimo treino para desempenho profissional em combater seguimentos de regras incoerentes e mentalismos que impossibilitam mudança e bem-estar.
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