Este não é um texto técnico para se avaliar contextos
sociais. Este texto é um conjunto de ideias, um brainstorm. É possível estudar fenômenos sociais e culturais mesmo
sendo apenas um iniciante nas artes comportamentais. No inicio dos estudos
sobre o tema, tudo parece muito assustador, eu sei! Espero que este guia prático do aventureiro deixe tudo
menos chato e mais interessante...
Nestes últimos meses que estive sem escrever no blog, a principal
dúvida que pairava sobre minha cabeça era: “Qual a melhor maneira para se
ensinar que é possível analisar contextos sociais a partir da Análise do Comportamento?”.
Aparentemente, esta resposta é simples: o objeto de nosso estudo é o
comportamento, se operacionalizarmos
tudo em termos comportamentais, logo
nós seremos capazes de explicar também os fenômenos sociais.
No entanto, em minha curta jornada como behaviorista aventureiro, tenho percebido que “saber os conceitos
básicos de AC” não tem subsidiado por si só condições para que novatos e curiosos
extrapolem os textos para os fenômenos no mundo. Algo atrapalha os colegas
transporem os textos conceituais e dados de laboratório para o mundo. Então, o
que causaria tal dificuldade e como iniciar uma jornada pokemon para
aprender a avaliar contextos sociais?
Não conheço muitas instituições de
ensino superior, mas tenho trocado muitas experiências com diversos amigos de
diversos lugares e talvez essas trocas sejam interessantes para entender as
dificuldades e, por isso, resolvi compartilhar!
Segue uma pequena lista de dificuldades que podem
ocorrer simultaneamente (você pode pular esta lista e ir direto ler sobre as
dicas):
01. Há apenas um professor AC;
02. Até há um professor AC, mas é pouco qualificado;
03. Há um ótimo professor AC, mas não há uma disciplina
específica de AC na grade curricular;
04. O colegiado do curso boicota qualquer iniciativa envolvendo
estudo de AC;
05. O professor só sabe discutir sobre um tema (muitas vezes
a dissertação dele);
06. O professor só entende de pesquisa em laboratório;
07. Só tem uma disciplina e é de AEC;
08. O professor não oferta optativas de AC (ou oferta
optativas desinteressantes de AC);
09. (Combo) O
professor que dá aula de AC não é AC;
10. O professor desencoraja a iniciativa de estudo do aluno;
11. O professor desconhece o tema de interesse do aluno e
diz que a AC não trabalha com isso;
12. O professor desconhece o tema de interesse do aluno e
diz que não existem trabalhos escritos sobre o tema em AC;
13. O professor acredita que a AC não seja capaz de explicar
os fenômenos sociais.
Possivelmente, há muito mais problemas, mas no momento foram
os principais que ouvi meus amigos dizerem. Se você é um jovem aventureiro no
behaviorismo e tem alguma dúvida ou curiosidade de saber sobre algo na
perspectiva da AC, é só perguntar. Qualquer coisa, mande uma pergunta no
ask.fm.
Agora, vou tentar dar uma ajudinha em como iniciar sua
jornada (algumas dicas são muito obvias, mas é o que temos pra hoje):
01. Conheça suas
ferramentas de trabalho: Aprenda os principais conceitos de Análise do
Comportamento. Imagine que cada conceito é uma ferramenta e que, se usada com
precisão, poderá ajudar a entender praticamente qualquer comportamento.
02. Operacionalize em
termos comportamentais: Se o tema que você pretende estudar é um pouco mais
complexo que não se encaixa em um único conceito, não desista! Muitos fenômenos
subjetivos e sociais requerem a articulação de mais de um comportamento, ou uma
cadeia de comportamentos. Se você conseguir explicar em termos de Antecedente, Comportamento e Consequência, já será um grande passo.
03. Fique atento aos
termos técnicos: Em muitos casos, os analistas do comportamento preferem
usar os termos técnicos em vez dos termos convencionais do dia a dia. Por
exemplo, muitos behavioristas preferem discutir sobre desamparo aprendido ao invés de discutirem sobre depressão. Pode ser que o tema que você
procura estudar tenha um termo equivalente, mas com maior precisão
epistemológica a partir da visão da AC. De todo modo, avalie que termos técnicos
ajudam a compreender as relações funcionais existentes em um fenômeno e estude-os.
04. Estude filosofia:
Tanto a filosofia das ciências como epistemologia geral são grandes ferramentas
para se entender porque determinado conceito seja mais interessante para se
explicar tal fenômeno do que outro. Inclusive, estudar a filosofia
comportamental (Behaviorismo Radical) é importantíssimo para compreendermos que
analistas do comportamento não ignora a
subjetividade... Nós não ignoramos NADA!
05. Comece avaliando
contextos simples: De inicio, comecemos pelo básico. Avaliemos simples comportamento operante. Podemos observar
o comportamento de nossos animais de estimação, a que estímulos eles estão mais
sensíveis, que comportamentos são mais frequentes e relacionados à que
estímulos, etc. Depois, comecemos a avaliar interações sociais simples sem uso de idioma ou linguagem de sinais.
Podemos observar as interações entre nossos pais, irmãos ou colegas. De que
maneira um evita o outro quando o outro se comporta de tal forma, de que
maneira agimos de modo diferente na presença de uns amigos do que de outros,
etc. Depois comecemos a avaliar as interações sociais baseadas em verbalizações. Resumindo: do mais
simples pro mais complexo. Do popular: não vá com muita sede ao pote!
06. Iniciando
avaliação de contextos sociais complexos: Para avaliar fenômenos sociais
temos que avaliar não só a história de interação do sujeito com o ambiente, ou
entre sujeitos. Para entender contextos sociais é preciso avaliar porque
determinado comportamento foi
importante para o grupo em um determinado contexto
a ponto de ser ensinado e continuar a ocorrer nos dias de hoje (transmissão).
Por exemplo: explicação
simples: a feijoada hoje ocorre em função do sabor e está vinculado a festas.
No entanto, a origem da feijoada está relacionada à escravidão. Os recursos alimentícios a que os escravos
tinham acesso eram escassos. Era preciso se alimentar para sobreviver. Com opções restritas ao material da feijoada, os
escravos devem ter variado na forma de misturar os ingredientes de modo que uma
determinada forma de fazer foi selecionada.
Possivelmente, algum dono de escravo ou militante em prol da libertação dos
escravos pode ter provado da feijoada e achado gostoso. Assim, outros grupos
podem ter imitado a prática de cozinhar feijão e os demais ingredientes e se
mantido pela estimulação apetitiva da
feijoada e não mais pelo valor de
sobrevivência. Resumindo: é preciso resgatar a história da prática cultural
e avaliar as condições que mantêm sua transmissão entre gerações e sua
manutenção.
07. Avalie a sua
avaliação: Ao final de sua avaliação se pergunte: “Esta análise me ajuda a
compreender melhor tal fenômeno social?” Se sim, se pergunte: “É possível que
esta avaliação ajude outras pessoas em sua prática ou estudo sobre tal tema?”
Se sim, apresente em algum congresso. Não subestime seu trabalho intelectual. Pode
ser que alguém tenha o mesmo interesse de estudo que o seu e por conta de
alguma dificuldade (reler lista) não se sinta estimulado a continuar nesta
aventura.
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Lembre-se, avaliar contextos sociais é um desafio
behaviorista radical. Muitas vezes dependemos de dados indiretos e inferências verbais
para nossa avaliação. Assim, parte da comunidade científica
analítico-comportamental irá considerar nossa análise incompleta ou frágil. De
certo modo, defender que é possível avaliar e intervir em contextos sociais a
partir da Análise do Comportamento é uma postura política e científica. Como
gosto de brincar, é assumirmos nosso Anarquismo
do Comportamento frente à ortodoxia conceitual de alguns de nossos pares.
Resumindo: a cada nova avaliação social, fazemos uma aposta teórico-conceitual,
contribuímos de algum modo junto à comunidade comportamental!
Bônus: Seja curioso sobre seu tema de interesse, pesquise inclusive
no Google. Se não houver nada escrito
sobre, veja isso como uma oportunidade de pesquisa longa e duradoura.
Dica de leitura: The Operacional Analysis of Psychological Terms
de Skinner, 1945/traduzido no Instituto de Terapia por Contingência de Reforço –
ITCR
Bom texto, vai me ajudar bastante na minha vida de aventureiro behavorista :). Não pare com o blog, achei bem legal. Boa semana e boas rolagens
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