terça-feira, 1 de setembro de 2015

Como Avaliar Contextos Sociais a partir da Análise do Comportamento (ou Como ser um Behaviorista Aventureiro)


Este não é um texto técnico para se avaliar contextos sociais. Este texto é um conjunto de ideias, um brainstorm. É possível estudar fenômenos sociais e culturais mesmo sendo apenas um iniciante nas artes comportamentais. No inicio dos estudos sobre o tema, tudo parece muito assustador, eu sei! Espero que este guia prático do aventureiro deixe tudo menos chato e mais interessante...


Nestes últimos meses que estive sem escrever no blog, a principal dúvida que pairava sobre minha cabeça era: “Qual a melhor maneira para se ensinar que é possível analisar contextos sociais a partir da Análise do Comportamento?”. Aparentemente, esta resposta é simples: o objeto de nosso estudo é o comportamento, se operacionalizarmos tudo em termos comportamentais, logo nós seremos capazes de explicar também os fenômenos sociais.

No entanto, em minha curta jornada como behaviorista aventureiro, tenho percebido que “saber os conceitos básicos de AC” não tem subsidiado por si só condições para que novatos e curiosos extrapolem os textos para os fenômenos no mundo. Algo atrapalha os colegas transporem os textos conceituais e dados de laboratório para o mundo. Então, o que causaria tal dificuldade e como iniciar uma jornada pokemon para aprender a avaliar contextos sociais?



Não conheço muitas instituições de ensino superior, mas tenho trocado muitas experiências com diversos amigos de diversos lugares e talvez essas trocas sejam interessantes para entender as dificuldades e, por isso, resolvi compartilhar!

Segue uma pequena lista de dificuldades que podem ocorrer simultaneamente (você pode pular esta lista e ir direto ler sobre as dicas):

01. Há apenas um professor AC;
02. Até há um professor AC, mas é pouco qualificado;
03. Há um ótimo professor AC, mas não há uma disciplina específica de AC na grade curricular;
04. O colegiado do curso boicota qualquer iniciativa envolvendo estudo de AC;
05. O professor só sabe discutir sobre um tema (muitas vezes a dissertação dele);
06. O professor só entende de pesquisa em laboratório;
07. Só tem uma disciplina e é de AEC;
08. O professor não oferta optativas de AC (ou oferta optativas desinteressantes de AC);
09. (Combo) O professor que dá aula de AC não é AC;
10. O professor desencoraja a iniciativa de estudo do aluno;
11. O professor desconhece o tema de interesse do aluno e diz que a AC não trabalha com isso;
12. O professor desconhece o tema de interesse do aluno e diz que não existem trabalhos escritos sobre o tema em AC;
13. O professor acredita que a AC não seja capaz de explicar os fenômenos sociais.



Possivelmente, há muito mais problemas, mas no momento foram os principais que ouvi meus amigos dizerem. Se você é um jovem aventureiro no behaviorismo e tem alguma dúvida ou curiosidade de saber sobre algo na perspectiva da AC, é só perguntar. Qualquer coisa, mande uma pergunta no ask.fm.

Agora, vou tentar dar uma ajudinha em como iniciar sua jornada (algumas dicas são muito obvias, mas é o que temos pra hoje):

01. Conheça suas ferramentas de trabalho: Aprenda os principais conceitos de Análise do Comportamento. Imagine que cada conceito é uma ferramenta e que, se usada com precisão, poderá ajudar a entender praticamente qualquer comportamento.

02. Operacionalize em termos comportamentais: Se o tema que você pretende estudar é um pouco mais complexo que não se encaixa em um único conceito, não desista! Muitos fenômenos subjetivos e sociais requerem a articulação de mais de um comportamento, ou uma cadeia de comportamentos. Se você conseguir explicar em termos de Antecedente, Comportamento e Consequência, já será um grande passo.



03. Fique atento aos termos técnicos: Em muitos casos, os analistas do comportamento preferem usar os termos técnicos em vez dos termos convencionais do dia a dia. Por exemplo, muitos behavioristas preferem discutir sobre desamparo aprendido ao invés de discutirem sobre depressão. Pode ser que o tema que você procura estudar tenha um termo equivalente, mas com maior precisão epistemológica a partir da visão da AC. De todo modo, avalie que termos técnicos ajudam a compreender as relações funcionais existentes em um fenômeno e estude-os.

04. Estude filosofia: Tanto a filosofia das ciências como epistemologia geral são grandes ferramentas para se entender porque determinado conceito seja mais interessante para se explicar tal fenômeno do que outro. Inclusive, estudar a filosofia comportamental (Behaviorismo Radical) é importantíssimo para compreendermos que analistas do comportamento não ignora a subjetividade... Nós não ignoramos NADA!


05. Comece avaliando contextos simples: De inicio, comecemos pelo básico. Avaliemos simples comportamento operante. Podemos observar o comportamento de nossos animais de estimação, a que estímulos eles estão mais sensíveis, que comportamentos são mais frequentes e relacionados à que estímulos, etc. Depois, comecemos a avaliar interações sociais simples sem uso de idioma ou linguagem de sinais. Podemos observar as interações entre nossos pais, irmãos ou colegas. De que maneira um evita o outro quando o outro se comporta de tal forma, de que maneira agimos de modo diferente na presença de uns amigos do que de outros, etc. Depois comecemos a avaliar as interações sociais baseadas em verbalizações. Resumindo: do mais simples pro mais complexo. Do popular: não vá com muita sede ao pote!

06. Iniciando avaliação de contextos sociais complexos: Para avaliar fenômenos sociais temos que avaliar não só a história de interação do sujeito com o ambiente, ou entre sujeitos. Para entender contextos sociais é preciso avaliar porque determinado comportamento foi importante para o grupo em um determinado contexto a ponto de ser ensinado e continuar a ocorrer nos dias de hoje (transmissão).



Por exemplo: explicação simples: a feijoada hoje ocorre em função do sabor e está vinculado a festas. No entanto, a origem da feijoada está relacionada à escravidão. Os recursos alimentícios a que os escravos tinham acesso eram escassos. Era preciso se alimentar para sobreviver. Com opções restritas ao material da feijoada, os escravos devem ter variado na forma de misturar os ingredientes de modo que uma determinada forma de fazer foi selecionada. Possivelmente, algum dono de escravo ou militante em prol da libertação dos escravos pode ter provado da feijoada e achado gostoso. Assim, outros grupos podem ter imitado a prática de cozinhar feijão e os demais ingredientes e se mantido pela estimulação apetitiva da feijoada e não mais pelo valor de sobrevivência. Resumindo: é preciso resgatar a história da prática cultural e avaliar as condições que mantêm sua transmissão entre gerações e sua manutenção.

07. Avalie a sua avaliação: Ao final de sua avaliação se pergunte: “Esta análise me ajuda a compreender melhor tal fenômeno social?” Se sim, se pergunte: “É possível que esta avaliação ajude outras pessoas em sua prática ou estudo sobre tal tema?” Se sim, apresente em algum congresso. Não subestime seu trabalho intelectual. Pode ser que alguém tenha o mesmo interesse de estudo que o seu e por conta de alguma dificuldade (reler lista) não se sinta estimulado a continuar nesta aventura.

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Lembre-se, avaliar contextos sociais é um desafio behaviorista radical. Muitas vezes dependemos de dados indiretos e inferências verbais para nossa avaliação. Assim, parte da comunidade científica analítico-comportamental irá considerar nossa análise incompleta ou frágil. De certo modo, defender que é possível avaliar e intervir em contextos sociais a partir da Análise do Comportamento é uma postura política e científica. Como gosto de brincar, é assumirmos nosso Anarquismo do Comportamento frente à ortodoxia conceitual de alguns de nossos pares. Resumindo: a cada nova avaliação social, fazemos uma aposta teórico-conceitual, contribuímos de algum modo junto à comunidade comportamental!
Bônus: Seja curioso sobre seu tema de interesse, pesquise inclusive no Google. Se não houver nada escrito sobre, veja isso como uma oportunidade de pesquisa longa e duradoura.

Dica de leitura: The Operacional Analysis of Psychological Terms de Skinner, 1945/traduzido no Instituto de Terapia por Contingência de Reforço – ITCR

Um comentário:

  1. Bom texto, vai me ajudar bastante na minha vida de aventureiro behavorista :). Não pare com o blog, achei bem legal. Boa semana e boas rolagens

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