Faz alguns meses que retornei a cidade em que me graduei,
reencontrei velhos amigos e discuti alguns temas político-sociais que a
pós-graduação não me dava tamanha abertura. Pois bem, isso me empurrou para ler
sobre sociologia diretamente da fonte e não a partir de interpretações
analítico-comportamentais sobre os fenômenos sociais.
Particularmente, eu tenho uma posição extremamente crítica e
controversa: eu acredito que a Análise do Comportamento tem excelentes
ferramentas para resolver problemas humanos individuais, mas ainda não temos
uma ciência madura o suficiente para tratarmos de fenômenos sociais e políticos
em sua devida amplitude. Por exemplo, a ética skinneriana fala que o único
valor defensável é sobrevivência da
cultura. No entanto, em nenhum momento, esta ética se questiona que
culturas devem sobreviver. Temos exemplos de práticas culturais que não são defensáveis, como escravidão e fascismo.
Mas temos exemplos históricos de como escravidão e fascismo estavam
correlacionados com crescimento e manutenção de nações inteiras, assim como
prosperidade econômica. Então, é defensável a sobrevivência destas culturas?
Acontece que, esta postura de defender a sobrevivência da cultura é muito vaga e
pouco precisa. Ou seja, não é parcimoniosa, como nossa comunidade costuma
desejar. Trata-se de um conceito/valor muito abrangente e não explica nada, não
descreve nada, apenas utiliza-se de um termo cômodo. Inclusive, é implícito a
crença em uma cultura superior, pois não há sinal de pluralidade: sobrevivência
daS
culturaS.
Adicionalmente, Skinner foi um cientista que desejou muito
que a ciência trouxesse benefícios à humanidade, mas bem sabemos que a ciência
quase nunca está a serviço da humanidade por si. Há uma rede imensa de relações
econômicas e sociais. Inclusive, Skinner era homem de seu tempo e em seu ethos a ciência era cotada como neutra,
pura e benéfica. Porém, a falência da
neutralidade, pureza e beneficência da ciência é escancarada a partir das
denuncias das pesquisas nazistas. Mas em defesa de Skinner, nem sempre
conseguimos acompanhar os avanços tecnológicos e sociais de nossa época. Nem
sempre nosso trabalho emana valores ideológicos claros. Por vezes somos limitados
pelo nosso tempo. É preciso mantermo-nos críticos diante dos conhecimentos que
produzimos e é este o ponto de intersecção que quero chegar, mas é preciso
despir a Análise do Comportamento de sua inocência em crer que salvará o mundo!
Nestes últimos dias reli textos de Pierre Bourdier que trata
de algumas teses interessantes, sendo uma delas a economia das trocas simbólicas. Apesar do nome um pouco obscuro,
ele é extremamente pragmático. Em behaviorês poderíamos traduzir como reforçadores sociais condicionados. Ou
seja, há conseqüências mediadas socialmente para determinados comportamento; estas
conseqüências não são puramente físicas, como água para saciar a sede, mas
envolve controle social, como reconhecimento
social, status, etc.. Inclusive, é
desnecessário por vezes fazer tais traduções para o behaviorês, é preciso ler
sociologia, história, filosofia, antropologia, etc., diretamente dos autores e
compreendê-los. O mundo não precisa ser um amontoado de termos analítico-comportamentais
para poder entendê-lo.
Sendo assim, o cientista como qualquer outro ser humano é
sensível a diversas fontes de reforçamento. O cientista também é limitado pelo
seu ethos, pela sua comunidade. A
validação e aceitação de uma proposta mais divergente dependerão de outras
relações que não só do produto final de suas pesquisas (produto físico).
Afinal, passamos por avaliações dos pares e isso é simplesmente controle social, vide revistas científicas
e seus corpos editoriais. É tão obvio que não será a ciência pela ciência que
salvará o mundo que temos exemplos de como as relações de trocas simbólicas existem em AC e proporcionarão cisões e condições
desumanas. A revista Journal of Applied
Behavior Analysis – JABA nasceu em resposta ao veto das pesquisas aplicadas
no Journal of Experimental Analysis of
Behavior – JEAB. Uma forma de dano a comunidade não científica é que,
durante algumas décadas, as técnicas de
modificação do comportamento serviam de base para manutenção do preconceito
e tratamento de homoafetividade como doença ou desvio de personalidade. Somos
homens e mulheres de nosso tempo, nossa ciência não salvará o mundo se não
soubermos a quem servimos e a que valores defendemos! A ciência por si só não
emana valores, ciência não é uma coisa, inclusive. Ciência é prática cultural, fazer ciência é comportamento! Todo comportamento é multideterminado...
O caminho que tenho encontrado para balancear a falta de
orientações éticas mais precisas advindas do Behaviorismo Radical é ler outras
áreas, compreender o que as minorias sociais falam sobre si e demandam. Não
podemos nos furtar a oportunidade de aprender com aqueles que por décadas se
dedicam especificamente a compreender o controle
social, mesmo que sob outra perspectiva. Para quem não sabe, Skinner tinha
dois orientadores, um psicólogo e um fisiologista. No entanto, a proposta de
delineamento de sujeito único não é nossa, advêm da leitura de medicina. A ficção
científica Walden II é fruto da
leitura de Thoreau, que escreve o livro Walden.
O Behaviorismo Radical parece se aproximar do materialismo histórico, porque
Skinner leu Marx. Skinner consumia outras
literaturas e outras ciências.
Se continuarmos evitando diálogo com outras áreas, poderemos perder oportunidades
riquíssimas de avançar enquanto modelo científico mais amplo e impactante.
Corremos o risco de nos tornarmos anacrônicos!
Vou finalizar este escrito de modo sintético:
1. São posicionamentos pessoais que refletem leituras
singulares e diz respeito as minhas contingências idiossincráticas;
2. No entanto, isso não significa que só vá fazer sentido
para mim. Todos podemos ler e verificar que a Análise do Comportamento sozinha
não consegue promover valores éticos precisos;
3. Mas não podemos perder a cabeça, há literaturas outras
sobre os fenômenos sociais que podem e vão nos ajudar a como nos posicionar;
4. Não há aprendizado social sem viés político, sem viés
ideológico. Não caiam na falácia do cientista no alto da torre de marfim,
distante de tudo e de todos maquinando uma formula salvacionista tecnocrata;
5. E, finalizo com um não
há neutralidade. Somos homens e mulheres de nosso tempo, fadados ao
fracasso, mas podemos mudar e mudar novamente, sempre que preciso for.
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