terça-feira, 22 de abril de 2014

Trânsito, Propaganda e o Comportamento Social


Hoje, falarei de um pequeno diálogo sobre trânsito e Análise do Comportamento que ocorreu comigo durante o feriado da Semana Santa. Para isso, aproveitaremos para falar um pouco sobre o que é Comportamento Social.
Será que essa imagem serviria como modelo de intervenção no Trânsito?
O episódio inspirador da postagem ocorreu assim:

Vinham eu e outra pessoa atravessando a rua na faixa de pedestres, quando uma moto passou extremamente veloz. Tal ato, infelizmente, é muito comum pelo estado do Ceará. Em seguida vinha um carro em nossa direção, mas, para nossa surpresa, ele deu sinal de luz indicando que iria parar, esperou-nos atravessar e só depois seguiu.

No meio da faixa, atravessando-a, olhei em direção ao carro e acenei com a cabeça como forma de agradecimento. A pessoa que vinha comigo se reclamou:

 Não precisa agradecer, é obrigação dele parar em frente a faixa!
 Mas, seguindo os princípios de Análise do Comportamento, é importante que eu dê um feedback adequado ao comportamento dele na espera que lhe sirva como REFORÇO...
– Mas é obrigação dele...
 Infelizmente, nossas leis se baseiam em Controle Aversivo e controle aversivo não ensina a nos comportarmos de maneira adequada, apenas nos ensina a evitar multas, por exemplo. Mas, controle aversivo no geral e punição, não ensinam comportamentos. É precisa reforçar os comportamentos "legais" se quisermos que eles aconteçam.

É importante lembrar também das inúmeras propagandas de combate aos acidentes de trânsito que se utilizam de informações aversivas e que, se compararmos as estatísticas, praticamente não influem em nada. Sobre intervenções no trânsito que deram certo, há o seguinte artigo disponível na internet: A travessia na faixa de pedestre em Brasilia: exemplo de uma intervenção cultural.


Exemplos de propaganda que não ensinam a como se comportar de modo adequado no trânsito,
apenas nos ensinam a esquece a própria propaganda
Bom, infelizmente, como já foi indicado, vivemos em uma sociedade que acredita que o Bem ocorre de modo intencional e sem determinantes sociais. Esse valor cultural é resquícios de uma Filosofia Grega e do movimento Iluminista, na Renascença, em que os homens eram completos senhores de si e que existia um grau elevado de civilidade e que existiam os instintos animalescos, que subjugava a Vontade dos homens fracos.

Estas perspectivas de homem são bem romântica e, mesmo assim, foram delas que partiram teorias extremamente segregadoras e sexistas. Basta procurar dentro da história... Então, não basta ser uma teoria que tenha uma roupagem bonita e meia duzia de palavras notáveis. É preciso compreendermos como elas funcionam dentro da sociedade e se são adequadas a transformação social. E estas teorias notadamente são mentalistas, pois pressupõe algo interior que nos guie e normalmente este algo interior é incontrolável... Mas, bem, se é incontrolável, não há necessidade de se criar uma Psicologia para ajudar nos problemas do cotidiano, não é? (Ironia)

Aproveitando a oportunidade, sabem por que este tipo de publicidade não diminui a frequência de fumar? Porque não se trata de saber ou não saber dos malefícios, mas que estes só ocorreram muito depois, num futuro muito distante, e somos mais suscetíveis às consequências imediatas. No caso de fumar, o prazer, o relaxamento ou diminuição da fome e ansiedade são as principais contingências mantenedoras do comportamento de fumar; no caso do trânsito, chegar mais rápido ao trabalho, evitar engarrafamentos irritantes, etc. são as principais contingências mantenedoras de avançar o sinal vermelho, por exemplo. Ser consciente das condições aversivas futuras não é condição suficiente para modificar o comportamento, é preciso analisar as condições imediatas e agir sob estas contingências.


Voltando, Comportamento Social é quando há um comportamento que é aprendido por mediação de outro organismo e que as consequências que o mantêm estão diretamente relacionadas a outros indivíduos. Dito de modo simples, são comportamentos que são mantidos por reforço social.

Desta maneira, a minha esperança é que o feedback que eu dei ao motorista signifique: "continue assim", "pô, cara, valeu", "obrigado por respeitar meus direitos de pedestre", etc. Para mim, não é interessante fazer cara de paisagem ou indiferença, Estímulo Delta (estímulo que não sinaliza que ocorrerá reforço se o sujeito se comportar), pois isso não sinaliza a pessoa que se comportou de modo socialmente aceitável que o ato dela é importante e afeta aos outros. Pode até sinalizar que o comportamento adequado dela não tem valor social e aos poucos entrar em extinção... Por exemplo: Imagine que todo dia você dá bom dia ao porteiro do trabalho e este nunca o responde. É possível que, num futuro próximo, você não volte a desejar bom dia.

Agora, imagine se várias pessoas começassem não só a exigir seu direito de pedestre, mas a agradecer pelos motoristas pelo modo como eles vêm respeitando este direito. Desta maneira, não estaríamos construindo uma forma mais pacifica de trânsito? Não estaríamos nós construindo condições/relações em que as pessoas manteriam responsáveis diante o direito dos outros por meio destes pequenos gestos (nossas tentativas de Reforço Social)? Ou devemos simplesmente esperar que estas coisas ocorram do nada, naturalmente?


Costumo ouvir de colegas de Psicologia que analistas do comportamento são robozinhos, sem coração, mecânicos, etc. Mas, estes mesmos colegas, não percebem os pequenos (e grandes) esforços que nós desempenhamos para transformar a nossa realidade de modo a torná-la mais agradável de se viver. Talvez, isso ocorra por não nos cercarmos de recursos estéticos, mas o que está em jogo, para nós, é mais que recurso estético. 

O que está em jogo é conseguir transformar de modo eficiente e ético a nossa realidade, levando em conta o que influencia diretamente o agir ético do outro e não só indicar falhas e criticas. Mais que isso, é preciso construir novas formas de Planejamento Cultural, é preciso construir Contingências de Reforço,  que fuja a estas filosofias aparentemente românticas, mas que escondem diversos preconceitos e segregações, que não transformam nada. Que não passam de filosofias do imobilismo, mesmo que se cerquem de nomenclaturas políticas...

Então, façamos um trato: sempre que possível, porque não agradecer pelo comportamento generoso de um amigo, de uma familiar ou um vizinho? Vamos construir um novo modelo de sociedade em que possamos dar feedbacks interessantes aos nossos pares, mostrando o quanto suas ações são minimamente importantes? 




Seja a mudança que você quer ver no mundo
- Mahatma Gandhi

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