sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Liberdade em Análise do Comportamento ou "Abra suas asas, solte suas feras!"


Hoje, irei escrever sobre um tema polêmico! A noção de Liberdade em Análise do Comportamento normalmente é compreendida com equívocos ou mesmo tratada com hostilidade por parte de teóricos de outras abordagens filosófica. Sendo assim, tentarei dar uma pequena apresentação sobre o tema.

Existem vários motivos históricos que corroboraram para a manutenção desta cultura hostil frente as noções de homem e mundo na Análise do Comportamento. Dentre elas temos alguns fatores históricos claros, mas que nem sempre paramos para perceber o contexto sócio-cultural em que o Behaviorismo foi desenvolvido.



1. Influência política francesa: 

Sob o slogan de "Liberté, Egalité, Fraternité" (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) a Revolução Francesa influenciou a transformação e emancipação política de vários países. A Revolução Francesa teve forte influência filosófica de Locke, Rousseau, entre outros, inclusive defendiam a liberdade natural do ser. Por meio de apoio de franceses que os Estados Unidos pode adotar o modelo político de Democracia Liberal. Dito de outro modo, os estadosunidenses tiveram seus comportamentos de "lutar por liberdade" reforçados no decorrer de sua história cultural e mantidos, além de que a liberdade é tida por eles como um dos grandes valores da humanidade e jamais deve ser violada.

Ou seja, qualquer proposição filosófica ou política que viesse de alguma maneira contrariar tal valor seria, com grande probabilidade, punido pela comunidade verbal. No caso, o Behaviorismo Radical rompe com a noção de liberdade como livre-arbítrio e formula um novo modelo de liberdade, que apresentaremos mais a frente. Como sabemos, o tema livre-arbítrio está muito vinculado em nossa sociedade como algo relacionado ao campo da religiosidade, ou seja, há uma agência de controle que mantêm estes comportamentos verbais frente o que é liberdade em detrimento de outras noções de liberdade. Dito de outro modo, o behaviorista radical defende uma nova cultura em detrimento de uma cultura já consolidada e reforçada por gerações...


2. As Grandes Guerras:

Os Estados Unidos foi um dos principais envolvidos no período das Grandes Guerras. Neste mesmo período, Watson lança seu Manifesto Behaviorista em 1913 defendendo uma psicologia científica. Skinner lança seus livros Walden II em 1948, período da Segunda Guerra, e Para além da Liberdade e Dignidade em 1971, período referente a Guerra Fria. E em todo este contexto havia o medo dos Regimes Totalitários, os horrores dos Campos de Concentração, etc. em que qualquer menção a controle social era compreendido como totalitarismo. Qualquer forma de planejamento cultural era compreendido como uma forma de massificação e assujeitamento dos indivíduos. Dito de outro modo, aqueles períodos históricos não favoreceram adesão cultural das proposições skinnerianas, posto que elas pareciam se aproximar de modelos políticos aos quais os cidadãos e governantes aprenderam a abominar!

Ou seja, não é que seja difícil compreender o Behaviorismo Radical, mas houveram contingências outras, que não eram científicas, que dificultaram a adesão do modelo político-filosófico de Skinner. Inclusive, o Behaviorismo Radical é muito relacionado com filmes/livros como Laranja Mecânica e 1984. Sofremos uma grande anti-propaganda por parte de outros teóricos que apenas se baseiam no senso comum na hora de apresentar do que se trata a Análise do Comportamento.


Adeus ao Livre-Arbítrio ou Bem-Vindo a Matrix

Antes de mais nada, a perspectiva behaviorista radical não se baseia em um modelo de controle mecanicista em que A sempre causa B. Nossa cultura reforça bastante esta noção de que a causa dos fenômenos da natureza são mecânicos e que tem um único fator controlador. Por exemplo, eu chuto uma bola e ela voa longe. Empurro uma caixa na escada e ela cai. Estes são exemplos comuns que nos são ensinados em aulas de física mecânica. Porém, nosso comportamento não é mecânico... Porém os Reflexos Incondicionados podem se encaixar perfeitamente num modelo mecanicista, pois há uma relação de um para um: se uma poeira entrar no meu olho eu lacrimejarei e piscarei.

Mas nem só de reflexos incondicionados vive o homem, mas de todo comportamento operante ambientalmente selecionado. O paradigma do Comportamento Operante segue uma lógica incomum em nossa comunidade verbal coloquial. Como já foi dito, estamos acostumados com a noção de modelo causa mecanicista, mas o comportamento operante se baseia em um controle causal probabilístico. O que isso significa? Significa que a relação causal não é de um para um, mas que leva em conta a variação ambiental. Alias, o comportamento operante não depende de apenas uma variável para que ocorra. Ou seja, o comportamento operante é multideterminado.


Por exemplo, João está com sede. Água pode saciar sua privação, mas, em vez disso, João preferiu tomar sorvete. Isso porque em sua história de vida seu comportamento de tomar sorvete foi reforçado negativamente pela redução do aversivo, mas também pode ser selecionado pelo poder reforçador positivo de adicionar sabores que o são agradáveis. Outros fatores que podem influenciar são os custos de reposta, como ter uma sorveteria próximo em vez de sua própria casa. Então, imagine agora que cada um de nossos comportamentos tem um histórico de reforçamento e que a cada momentos estamos nos expondo a contextos novos, novas contingências, mesmo aquelas que nos parecem iguais. Então, estes múltiplos arranjos ambientais influenciam de modo probabilístico o comportamento devido ao caráter mutável do ambiente e novos históricos de reforçamento dos comportamento dentro de determinado contexto.

Ou seja, é mais provável que eu vá a uma cafeteria tomar capuccino do que eu vá a uma sorveteria tomar café, por mais que esteja disponível no cardápio. O motivo: aquele contexto selecionou a probabilidade de emissão de resposta "pedir café", pois ele tem maior probabilidade de ser reforçado em uma cafeteria do que em uma sorveteria.


E o Livre-Arbítrio? As pessoas costumam crer que Liberdade é o mesmo que Livre-Arbítrio. No entanto, um não precisa ser correlato de outro. Livre arbítrio seria a capacidade de tomar decisões e agir no mundo sem que houvesse qualquer outro tipo de influência que não a nossa própria vontade. Mas essa concepção é extremamente mentalista e o behaviorismo radical é anti-mentalista, posto que busca encontrar a raiz das causas do comportamento sem que seja preciso apelar para construtos teóricos excessivos, como vontade. No entanto, ter vontade e desejo podem ser analisados como qualquer outro comportamento, mas não podem ser considerados como causas do comportamento.

Livre arbítrio sendo compreendido como a capacidade do homem agir e pensar sem influência do mundo, como se os comportamentos de pensar e decidir tivessem uma substância distinta dos demais, é incompatível com a proposta behaviorista.

O behaviorismo radical, assim, nega que os homens tenham livre-arbítrio pelos motivos expostos acima e por este motivo somos mal vistos e chegam a nos xingar de fascistas e opressores. Mas, consideremos que ao nascermos trazemos conosco um aparato biológico que tem uma história (filogênese) e esta história influencia nossos comportamentos, assim como nascemos em meio a uma sociedade que mantêm determinadas práticas, como uma língua natal, (terceiro nível de seleção, cultura), como poderíamos ser inteiramente livres ao fazermos nossas decisões? Concordar com estas concepções de homem diminuem o que chamamos de liberdade? Eu diria que não diminui a possibilidade de sermos livres, continuamos nos sentindo livres ou felizes, mas nos tornamos mais atentos ao mundo que nos cerca e como ele pode influenciar em nossos comportamentos.

Para Skinner ser livre está completamente relacionado com a noção de autoconhecimento e autocontrole. Ou seja, ser livre é compreender que variáveis ambientais influenciam nosso comportamento e a possibilidade de agir sobre este mundo que nos influencia, que nos controla, de modo a nos produzir a sensação de bem-estar.


No entanto, liberdade em análise do comportamento não deve se limitar a uma sensação corporal de bem-estar, posto que há condições em que podemos acreditar que somos livres de controle e felizes por um reforçamento a curto prazo, mas  a longo prazo acabamos nos submetendo a condições aversivas. Por exemplo, alguém que fuma se sente bem, feliz e livre, mas no decorrer dos anos ele poderá desenvolver uma doença correlata com o uso de cigarro. A sensação de estar feliz não deve ser parâmetro para dizer que alguém seja ou não livre. Está é uma pequena armadilha!

Por exemplo, já que estamos em época de eleições, um eleitor que mantêm laços de amizade com um determinado político para benefício próprio pode se sentir feliz e livre por optar com está prática social conhecida como amiguismo político, mas a longo prazo ou mesmo a curto prazo podem acarretar percar maiores para si e para a população que passa a ser refém deste modelo de controle social, como voto de cabresto. Ou seja, o conceito de liberdade em análise do comportamento está extremamente vinculado a uma concepção política de homem, um compromisso com suas condições integrais de vida.


De certo modo, a concepção de liberdade skinneriana está relacionada com a diminuição e, se possível, inexistência de controle aversivo em prol do controle por meio de reforçamento positivo prevenindo consequências aversivas atrasadas. E, assim, ser livre é compreender o que controla nosso comportamento e opera frente estas contingências.

Ser livre para Skinner é poder mudar nosso mundo, nossas condições de vida!
Então, na dúvida, Contracontrole!!! 

"Abra suas asas, solte suas feras"

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