quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Kung Fu Panda e a Aprendizagem: uma fábula comportamental sobre "o panda, o cookie e o ensino"


Esta postagem tratará de uma breve discussão sobre o ensino-aprendizado numa perspectiva analítico-comportamental amparada pelas metáforas trazidas no filme Kung Fu Panda. Não foi uma escrita fácil, espero que gostem!

Kung Fu Panda é uma animação da Dreamworks Studio, de 2008, que conta a história de como Po, um panda desajeitado e sem grandes habilidades de luta, torna-se o Dragão Guerreiro, mestre do kung fu, predestinado a salvar o vilarejo de uma antiga ameaça.


Po é um panda que ajuda seu pai na loja de ramen. Po é fã de kung fu e dos Cinco Furiosos, que foram treinados por mestre Shifu. Quando mestre Oogway informa que é chegada a hora de escolher o Dragão Guerreiro, Po faz de tudo para estar presente na cerimônia. Durante a cerimônia, Po foi indicado como o predestinado. Mestre Shifu é o professor predestinado a ensinar kung fu ao futuro Dragão Guerreiro. No entanto, mestre Shifu não ficou satisfeito, pois esperava que algum dos Cinco Furiosos, seus alunos-modelo, fossem o escolhido. Como Po é desajeitado e não tem nenhuma habilidade aparente de luta, Shifu decide fazê-lo desistir. 


Assim, Shifu não o ensina nenhuma habilidade e o faz passar por diversos testes com a intenção de provar que ele é inapropriado para o cargo, afim de que Po desista de ser o Dragão Guerreiro. Durante um bom tempo, Po não desiste: a possibilidade de aprender kung fu e mudar de condições de vida limitada (ser apenas um cozinheiro) funcionam como reforçadores positivos negativo para o comportamento de seguir regras (manter-se no templo). Além disso, há uma condição aversiva condicional funciona como operação motivadora para continuar tentando, que se trata da mudança de condição social e acesso a novos reforçadores, como reconhecimento social.

Po descobre que Shifu deseja que ele desista do cargo e que, no passado, seu melhor ex-aluno, Tai Lung (antigo candidato a Dragão Guerreiro) fugiu da prisão e está voltando ao vilarejo em busca de vingança. Assim, os Cinco Furiosos decidem lutar conta Tai Lung, mas são derrotados. Esta sequência de eventos aversivos proporcionou o contexto para que Po desistisse do cargo, afinal, pois até o momento Shifu não havia o ensinado nada. Tal situação sinalizava alta probabilidade de contato com aversivos, seja rejeição social a sofrer agressões.


Porém, na manhã seguinte, Shifu encontra a despensa toda quebrada por, nada mais nada menos, que Po. O Panda diz que ele come muito quando se sente ansioso (reforçamento negativo). Percebendo que Po emitiu alguns comportamentos rudimentares para o kung fu, Shifu indica que na ultima prateleira de cima o Macaco guarda os melhores biscoito para verificar tal possibilidade. Po faz uma abertura completa (!) e Shifu decide treiná-lo e refinar seus comportamentos (reforçamento diferencial). Durante os treinos, Shifu faz uso de comida (reforço) o que pareceu ser uma condição ambiental a qual Po estava muito sensível.


A partir daqui, temos material suficiente para discutirmos questões de ensino-aprendizado pela perspectiva da Análise do Comportamento. Assim, deixaremos que os leitores vejam por si mesmos o final da animação.

Um dos problemas apontados por Skinner quanto ao sistema de ensino é que muitos dos testes e provas propostos pelos professores não são eficientes em verificar aprendizado. Para além disso, muitos professores utilizam provas inadequadas para verificar o comportamento que foi ensinado. Por exemplo, um professor não utilizou nenhuma atividade escrita durante as aulas, apenas discussões orais sobre o tema e para a avaliação de ensino-aprendizado solicita que os alunos façam um trabalho por escrito com um tema original não discutido durante a sala de aula.


Skinner indica que ensinar é fazer com que o estudante se comporte de maneira que não fazia antes da atuação do professor. Como vimos, Shifu não estava ensinando nenhuma habilidade para Po, mas esperava que ele se comporta-se de maneira desejada. Po nunca havia estudado kung fu, logo, não poderia emitir nenhum comportamento de kung fu. Mas Shifu desejava que Po se comportasse tal qual sua expectativa e não buscou ensinar Po. De modo semelhante, muitos professores desistem de ensinar determinados alunos por crerem que o aluno não aprenderá. Assim, temos uma profecia auto-realizável, na qual não ensinamos um aluno por que esperamos que ele fracasse. Sem ser ensinado, o estudante tira notas baixas, confirmando a profecia de que ele não aprenderia.


Skinner indicava que o fracasso do aluno não deveria ser tratado como um problema individual, interior ou da natureza dele. Skinner defendia que o fracasso do aluno, entre tantos fatores, era devido à inadequação do método de ensino. Quando Shifu passa a utilizar um método de ensino alternativo do usado com os Cinco Furiosos, Po passa a responder cada vez mais dentro dos critérios de aprendizado. A cada nova cena de treino, Po se comporta de maneira aproximada a de um lutador de kung fu.


Este é outro ponto sensível que a animação nos possibilita discutir: as metas e critérios  educacionais são irreais para o processo de aprendizado. Por vezes, são exigidas habilidades muito refinadas quando não foi dado suporte para que o aluno, aos poucos, fosse se comportando de maneira esperada. Não são dadas condições de aprendizado gradual, as avaliações escolares são muito arbitrárias à aprendizagem: tudo ou nada. Mas, como vemos, em vez de esperar um aluno completo (sem ter o que aprender), Shifu foi modelando gradualmente os comportamentos de Po. A cada momento, percebemos que os critérios de avaliação vão aumentando gradualmente assim como o refinamento dos comportamentos.


O ponto alto de Kung Fu Panda é que ele é antimentalista. Enquanto Tai Lung credita as habilidades de Po ao pergaminho do Dragão Guerreiro e alguma característica mística, Po sabe que não há nada escrito no pergaminho que o fará um lutador melhor ou especial. São apenas seus comportamentos aprendidos através de inúmeros treinos e trabalho duro, modelados gradualmente por Shifu, que o levarão a vitória.

Como pudemos ver, a animação Kung Fu Panda é um excelente exemplo de artifício artístico que nos leva a discutir e entender melhor os limites e possibilidades do ensino-aprendizado. É o tipo de animação que nos proporciona material neutro para trabalhar com professores e modelar novos repertórios de cuidado com as crianças assistidas. Espero poder verificar se Kung Fu Panda possa ajudar a modelar novos comportamentos de ensino e cuidado entre professores e medir sua eficácia no desempenho de estudantes.


Finalizo esta postagem defendendo que aplicar os conhecimentos analítico-comportamentais não é fazer uso de metodologias experimentais altamente controladas. A Análise do Comportamento Aplicada é previsão e controle. É produzir modificações, mesmo que de maneira simples, no ambiente, de modo que ocorram as consequências esperadas. Fazer aplicações é não se intimidar com o uso de metodologias simples, mas alcançar resultados difíceis.

Um comentário:

  1. Adorei a sua postagem, quando assisti o filme pela primeira vez quando criança só percebi a mensagem de "seja você mesmo e aceite quem você é", mas agora cursando licenciatura tive essa mesma visão que você teve.

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