quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Como não iremos salvar o mundo! (Falando com franqueza sobre Análise do Comportamento e Sociedade)


 Faz bastante tempo que não escrevo para este blog, mas com justificativas boas e outras não tão boas. A boa justificativa era a dedicação, quase que, exclusiva as atividades do mestrado que faço. A justificativa não tão boa é o fato de que me dedicar de modo muito sério a Análise do Comportamento me fez evitar escrever de modo mais leve e popular durante quase todo ano. Agora, um lembrete, estes escritos são para um blog de divulgação da Análise do Comportamento, no entanto, é mais aconselhável ler artigos em revistas acadêmicas para tirar dúvidas e defender idéias. Neste blog eu jogo algumas idéias e perspectivas pessoais que, por muitas vezes, não refletem a perspectiva da comunidade. Bom, dada esta advertência, sigamos.

Faz alguns meses que retornei a cidade em que me graduei, reencontrei velhos amigos e discuti alguns temas político-sociais que a pós-graduação não me dava tamanha abertura. Pois bem, isso me empurrou para ler sobre sociologia diretamente da fonte e não a partir de interpretações analítico-comportamentais sobre os fenômenos sociais.

Particularmente, eu tenho uma posição extremamente crítica e controversa: eu acredito que a Análise do Comportamento tem excelentes ferramentas para resolver problemas humanos individuais, mas ainda não temos uma ciência madura o suficiente para tratarmos de fenômenos sociais e políticos em sua devida amplitude. Por exemplo, a ética skinneriana fala que o único valor defensável é sobrevivência da cultura. No entanto, em nenhum momento, esta ética se questiona que culturas devem sobreviver. Temos exemplos de práticas culturais que não são defensáveis, como escravidão e fascismo. Mas temos exemplos históricos de como escravidão e fascismo estavam correlacionados com crescimento e manutenção de nações inteiras, assim como prosperidade econômica. Então, é defensável a sobrevivência destas culturas? 


Acontece que, esta postura de defender a sobrevivência da cultura é muito vaga e pouco precisa. Ou seja, não é parcimoniosa, como nossa comunidade costuma desejar. Trata-se de um conceito/valor muito abrangente e não explica nada, não descreve nada, apenas utiliza-se de um termo cômodo. Inclusive, é implícito a crença em uma cultura superior, pois não há sinal de pluralidade: sobrevivência daS culturaS.

Adicionalmente, Skinner foi um cientista que desejou muito que a ciência trouxesse benefícios à humanidade, mas bem sabemos que a ciência quase nunca está a serviço da humanidade por si. Há uma rede imensa de relações econômicas e sociais. Inclusive, Skinner era homem de seu tempo e em seu ethos a ciência era cotada como neutra, pura e benéfica. Porém, a falência da neutralidade, pureza e beneficência da ciência é escancarada a partir das denuncias das pesquisas nazistas. Mas em defesa de Skinner, nem sempre conseguimos acompanhar os avanços tecnológicos e sociais de nossa época. Nem sempre nosso trabalho emana valores ideológicos claros. Por vezes somos limitados pelo nosso tempo. É preciso mantermo-nos críticos diante dos conhecimentos que produzimos e é este o ponto de intersecção que quero chegar, mas é preciso despir a Análise do Comportamento de sua inocência em crer que salvará o mundo!


Nestes últimos dias reli textos de Pierre Bourdier que trata de algumas teses interessantes, sendo uma delas a economia das trocas simbólicas. Apesar do nome um pouco obscuro, ele é extremamente pragmático. Em behaviorês poderíamos traduzir como reforçadores sociais condicionados. Ou seja, há conseqüências mediadas socialmente para determinados comportamento; estas conseqüências não são puramente físicas, como água para saciar a sede, mas envolve controle social, como reconhecimento social, status, etc.. Inclusive, é desnecessário por vezes fazer tais traduções para o behaviorês, é preciso ler sociologia, história, filosofia, antropologia, etc., diretamente dos autores e compreendê-los. O mundo não precisa ser um amontoado de termos analítico-comportamentais para poder entendê-lo.


Sendo assim, o cientista como qualquer outro ser humano é sensível a diversas fontes de reforçamento. O cientista também é limitado pelo seu ethos, pela sua comunidade. A validação e aceitação de uma proposta mais divergente dependerão de outras relações que não só do produto final de suas pesquisas (produto físico). Afinal, passamos por avaliações dos pares e isso é simplesmente controle social, vide revistas científicas e seus corpos editoriais. É tão obvio que não será a ciência pela ciência que salvará o mundo que temos exemplos de como as relações de trocas simbólicas existem em AC e proporcionarão cisões e condições desumanas. A revista Journal of Applied Behavior Analysis – JABA nasceu em resposta ao veto das pesquisas aplicadas no Journal of Experimental Analysis of Behavior – JEAB. Uma forma de dano a comunidade não científica é que, durante algumas décadas, as técnicas de modificação do comportamento serviam de base para manutenção do preconceito e tratamento de homoafetividade como doença ou desvio de personalidade. Somos homens e mulheres de nosso tempo, nossa ciência não salvará o mundo se não soubermos a quem servimos e a que valores defendemos! A ciência por si só não emana valores, ciência não é uma coisa, inclusive. Ciência é prática cultural, fazer ciência é comportamento! Todo comportamento é multideterminado...


O caminho que tenho encontrado para balancear a falta de orientações éticas mais precisas advindas do Behaviorismo Radical é ler outras áreas, compreender o que as minorias sociais falam sobre si e demandam. Não podemos nos furtar a oportunidade de aprender com aqueles que por décadas se dedicam especificamente a compreender o controle social, mesmo que sob outra perspectiva. Para quem não sabe, Skinner tinha dois orientadores, um psicólogo e um fisiologista. No entanto, a proposta de delineamento de sujeito único não é nossa, advêm da leitura de medicina. A ficção científica Walden II é fruto da leitura de Thoreau, que escreve o livro Walden. O Behaviorismo Radical parece se aproximar do materialismo histórico, porque Skinner leu Marx. Skinner consumia outras literaturas e outras ciências. Se continuarmos evitando diálogo com outras áreas, poderemos perder oportunidades riquíssimas de avançar enquanto modelo científico mais amplo e impactante. Corremos o risco de nos tornarmos anacrônicos!


Vou finalizar este escrito de modo sintético:
1. São posicionamentos pessoais que refletem leituras singulares e diz respeito as minhas contingências idiossincráticas;
2. No entanto, isso não significa que só vá fazer sentido para mim. Todos podemos ler e verificar que a Análise do Comportamento sozinha não consegue promover valores éticos precisos;
3. Mas não podemos perder a cabeça, há literaturas outras sobre os fenômenos sociais que podem e vão nos ajudar a como nos posicionar;
4. Não há aprendizado social sem viés político, sem viés ideológico. Não caiam na falácia do cientista no alto da torre de marfim, distante de tudo e de todos maquinando uma formula salvacionista tecnocrata;

5. E, finalizo com um não há neutralidade. Somos homens e mulheres de nosso tempo, fadados ao fracasso, mas podemos mudar e mudar novamente, sempre que preciso for. 

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