Esta postagem tem como objetivo dar modelo de como verificar demandas em saúde, apropriarmos-nos dos conhecimentos estabelecidos e propor serviços baseados em Análise do Comportamento. Desta maneira, não espero apresentar um modelo técnico-científico baseado largamente na literatura aplicada, mas que, mesmo assim, podemos ousar e fazer coisas incríveis com os conhecimentos básicos que temos em mãos.
Em minha breve experiência em Atenção Primária em Saúde –
APS, via Núcleo de Atenção à Saúde da Família – NASF, como psicólogo foi a
recorrente queixa de problemas relacionados ao comportamento inquieto e
birrento de crianças.
Em um primeiro momento, esta queixa pode soar deselegante
para um profissional recém-formado que credita que a responsabilidade pelo bom
comportamento infantil é tarefa dos cuidadores e não tem relação direta com
atenção à saúde pública. No entanto, a manutenção de padrões de comportamentos
de birra e impulsividade de crianças ao longo dos anos produz contextos
aversivos aos cuidadores, como desgaste das relações parentais em função dos
maus comportamentos. Além disso, a manutenção de padrões de comportamentos de
birra e impulsividade é incompatível com as condições naturais de modelagem de
autocontrole e resiliência.
Desta maneira, apontamos a necessidade de intervenção
profissional para suplementar ou produzir novos modelos de interação parental
de modo a estabelecer ambiente familiar saudável (reduzindo contextos e
interações sociais aversivas) e, a longo prazo, promover repertórios
comportamentais básicos para manutenção de saúde mental na adolescência e vida
adulta.
A atuação do psicólogo no NASF funciona de diversas formas,
a depender da organização do Centro de Saúde da Família – CSF, mas apresenta
algumas atribuições já definidas e esperadas: (1) apoio matricial, que pode ser
definido como estratégia de gerenciamento e acompanhamento dos casos com ações
como tirar dúvidas e dar suporte as intervenções de modo direto e/ou indireto;
(2) atendimentos compartilhados [com outros profissionais de saúde
não-psicólogos]; (3) intervenções profissionais diretas baseadas nos seus
núcleos de saber.
Deste modo, diante da relevância epidemiológica no
território assistido, o profissional psicólogo poderá propor intervenções de
grupo para um dado problema focal. Assim, sustentamos a possibilidade de gerir
e manter um grupo voltado para modelagem de repertórios de boas práticas
parentais entre crianças e cuidadores. Indico também que esta estratégia pode
ser inserida como uma das opções de serviços vinculados à puericultura (cuidados
em saúde no desenvolvimento).
Antes de iniciarmos a apresentação de uma proposta de
intervenção, apresentarei duas pontuações: (1) que as intervenções sejam
baseadas em Análises Funcionais – AF;
e, (2) que é comum encontrar literatura relacionando maus comportamentos à
violência parental, porém é necessário diferenciar violência de Controle Aversivo. Quando se fala em controle
ou condições aversivas, fala-se de uma série de mudanças ambientais que produzem
respondentes emocionais (como raiva e ansiedade), podem evocar respostas de
fuga/esquiva (chorar antes mesmo de reclamarem por algo que fez de errado ou
colocar a culpa em outros), pode evocar respostas que produzem estimulação
incompatível com aversiva (comportamentos repetitivos) ou mesmo condições que
suprimiram vários comportamentos e não apenas o esperado (no caso de pais muito
controladores e críticos que reduzem variabilidade comportamental do sujeito e
produzem padrões de insegurança, normalmente relacionados à timidez).
Obviamente, há outras condições que produzem manutenção dos
comportamentos de birra e impulsividade como inconsistência entre regras e consequências
delas e pobreza de estimulações sociais reforçadoras. No primeiro caso, quando
um dos cuidadores aplica uma regra, mas é impedido pelo outro cuidador de
aplicar suas consequências fazendo com que a criança aprenda que não precisa
seguir regras. No segundo caso, quando há redução da densidade de reforçadores
disponíveis, como a mudança de escola para outra ocorrer redução brusca de
acesso a pares sociais ou mesmo quando ocorre mudança no padrão educacional
entre educação infantil e básica.
Como proposta de intervenção, indico que a apropriação dos
dados de alguns estudos e sua devida aplicação em grupos nos CSF produzam
resultados similares e, quem sabe, de melhor efetividade na melhoria de
comportamento das crianças e interação com cuidadores. Um dos estudos que
indica que o uso de instrução e modelação são efetivos para melhorar interação entre
mães e filhos nas tarefas escolares (Sudo e colaboradores, 2006); enquanto
outro estudo aponta que filmar a interação social entre mães e filhos e dar feedbacks
e modelos de comportamento aumentam a qualidade das interações social (Moura ecolaboradores, 2007); um terceiro estudo aponta que o automonitoramento dos
cuidadores é essencial para mudança no comportamento das crianças devido ao
fato de que há comportamentos das crianças que ocorrem em função das ações dos
cuidadores (Vendramine e Benvenuti, 2013).
Deste modo, indico que o ideal seriam intervenções que: (1) envolvem-se
ambos cuidadores, para evitar interferência na manutenção das regras feitas
pelo parceiro à criança; (2) houvesse observação das interações da criança e
cuidador, ocorrendo registro topográfico e funcional dos comportamentos de
ambos; (3) se possível, que as interações fossem gravadas; (4) com base nas
interações sociais, ensino de análise funcional aos cuidadores; (5) controle
instrucional e modelagem em contexto de CSF, quando adequado generalizar treino
em ambiente natural, e, (6) reavaliação das intervenções meses depois para
verificar efetividade da intervenção apesar do passar do tempo. A literatura da
Análise do Comportamento apresenta como uma intervenção nestes contextos o uso
de Reforçamento Diferencial de Comportamento
Alternatico (DRA). Ao usar o DRA, os cuidadores colocarão o comportamento
problema em extinção ao passo que consequenciarão comportamentos adequados
funcionalmente. Por exemplo, se a criança para ter atenção dos pais briga com o
irmão mais novo, quando a criança solicitar atenção com uma topografia
diferente (como mostrar desenho) deverá receber atenção diferenciada de modo a
diminuir a força do comportamento indesejado e estabelecer este novo elo.
Acredito que grupos pequenos de 5 a 6 cuidadores seja ideal.
Importante dividir encontros que envolveriam apenas cuidadores e aqueles em que
seria essencial presença das crianças. Indico que encontro semanas seja
adequado. A depender do perfil da população do território, intervenção com
número total de encontros seja funcional (inicio e fim estabelecidos).
Outro ponto importante é estabelecer claramente fluxo de
encaminhamento para o grupo, pois é comum que equipe de saúde encaminhe constantemente
sem fazer análise dos casos. Analisar os casos com antecedência de
encaminhamento para o grupo previne que haja encaminhamentos inadequados, como
perfil de usuário que seria melhor atendido individualmente, gerar expectativas
na população de desenvolvimento atípico quando o serviço deste grupo é focado
em desenvolvimento típico, entre outros inconvenientes.
Finalizo indicando que esta é uma aposta de que os
conhecimentos produzidos em ambiente controlado possam fundamentar intervenções
em APS, no entanto saliento que toda e qualquer adaptação entre conhecimento
produzido e serviços vivos requererá cuidados e sucessivas melhorias.
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