sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Estudando e Planejando Intervenções na Atenção Primária em Saúde: reduzindo maus comportamentos de crianças a partir da modelagem de novas interações Cuidador-Criança



Esta postagem tem como objetivo dar modelo de como verificar demandas em saúde, apropriarmos-nos dos conhecimentos estabelecidos e propor serviços baseados em Análise do Comportamento. Desta maneira, não espero apresentar um modelo técnico-científico baseado largamente na literatura aplicada, mas que, mesmo assim, podemos ousar e fazer coisas incríveis com os conhecimentos básicos que temos em mãos.

Em minha breve experiência em Atenção Primária em Saúde – APS, via Núcleo de Atenção à Saúde da Família – NASF, como psicólogo foi a recorrente queixa de problemas relacionados ao comportamento inquieto e birrento de crianças.

Em um primeiro momento, esta queixa pode soar deselegante para um profissional recém-formado que credita que a responsabilidade pelo bom comportamento infantil é tarefa dos cuidadores e não tem relação direta com atenção à saúde pública. No entanto, a manutenção de padrões de comportamentos de birra e impulsividade de crianças ao longo dos anos produz contextos aversivos aos cuidadores, como desgaste das relações parentais em função dos maus comportamentos. Além disso, a manutenção de padrões de comportamentos de birra e impulsividade é incompatível com as condições naturais de modelagem de autocontrole e resiliência.


Desta maneira, apontamos a necessidade de intervenção profissional para suplementar ou produzir novos modelos de interação parental de modo a estabelecer ambiente familiar saudável (reduzindo contextos e interações sociais aversivas) e, a longo prazo, promover repertórios comportamentais básicos para manutenção de saúde mental na adolescência e vida adulta.

A atuação do psicólogo no NASF funciona de diversas formas, a depender da organização do Centro de Saúde da Família – CSF, mas apresenta algumas atribuições já definidas e esperadas: (1) apoio matricial, que pode ser definido como estratégia de gerenciamento e acompanhamento dos casos com ações como tirar dúvidas e dar suporte as intervenções de modo direto e/ou indireto; (2) atendimentos compartilhados [com outros profissionais de saúde não-psicólogos]; (3) intervenções profissionais diretas baseadas nos seus núcleos de saber.

Deste modo, diante da relevância epidemiológica no território assistido, o profissional psicólogo poderá propor intervenções de grupo para um dado problema focal. Assim, sustentamos a possibilidade de gerir e manter um grupo voltado para modelagem de repertórios de boas práticas parentais entre crianças e cuidadores. Indico também que esta estratégia pode ser inserida como uma das opções de serviços vinculados à puericultura (cuidados em saúde no desenvolvimento).


Antes de iniciarmos a apresentação de uma proposta de intervenção, apresentarei duas pontuações: (1) que as intervenções sejam baseadas em Análises Funcionais – AF; e, (2) que é comum encontrar literatura relacionando maus comportamentos à violência parental, porém é necessário diferenciar violência de Controle Aversivo. Quando se fala em controle ou condições aversivas, fala-se de uma série de mudanças ambientais que produzem respondentes emocionais (como raiva e ansiedade), podem evocar respostas de fuga/esquiva (chorar antes mesmo de reclamarem por algo que fez de errado ou colocar a culpa em outros), pode evocar respostas que produzem estimulação incompatível com aversiva (comportamentos repetitivos) ou mesmo condições que suprimiram vários comportamentos e não apenas o esperado (no caso de pais muito controladores e críticos que reduzem variabilidade comportamental do sujeito e produzem padrões de insegurança, normalmente relacionados à timidez).

Obviamente, há outras condições que produzem manutenção dos comportamentos de birra e impulsividade como inconsistência entre regras e consequências delas e pobreza de estimulações sociais reforçadoras. No primeiro caso, quando um dos cuidadores aplica uma regra, mas é impedido pelo outro cuidador de aplicar suas consequências fazendo com que a criança aprenda que não precisa seguir regras. No segundo caso, quando há redução da densidade de reforçadores disponíveis, como a mudança de escola para outra ocorrer redução brusca de acesso a pares sociais ou mesmo quando ocorre mudança no padrão educacional entre educação infantil e básica.



Como proposta de intervenção, indico que a apropriação dos dados de alguns estudos e sua devida aplicação em grupos nos CSF produzam resultados similares e, quem sabe, de melhor efetividade na melhoria de comportamento das crianças e interação com cuidadores. Um dos estudos que indica que o uso de instrução e modelação são efetivos para melhorar interação entre mães e filhos nas tarefas escolares (Sudo e colaboradores, 2006); enquanto outro estudo aponta que filmar a interação social entre mães e filhos e dar feedbacks e modelos de comportamento aumentam a qualidade das interações social (Moura ecolaboradores, 2007); um terceiro estudo aponta que o automonitoramento dos cuidadores é essencial para mudança no comportamento das crianças devido ao fato de que há comportamentos das crianças que ocorrem em função das ações dos cuidadores (Vendramine e Benvenuti, 2013).

Deste modo, indico que o ideal seriam intervenções que: (1) envolvem-se ambos cuidadores, para evitar interferência na manutenção das regras feitas pelo parceiro à criança; (2) houvesse observação das interações da criança e cuidador, ocorrendo registro topográfico e funcional dos comportamentos de ambos; (3) se possível, que as interações fossem gravadas; (4) com base nas interações sociais, ensino de análise funcional aos cuidadores; (5) controle instrucional e modelagem em contexto de CSF, quando adequado generalizar treino em ambiente natural, e, (6) reavaliação das intervenções meses depois para verificar efetividade da intervenção apesar do passar do tempo. A literatura da Análise do Comportamento apresenta como uma intervenção nestes contextos o uso de Reforçamento Diferencial de Comportamento Alternatico (DRA). Ao usar o DRA, os cuidadores colocarão o comportamento problema em extinção ao passo que consequenciarão comportamentos adequados funcionalmente. Por exemplo, se a criança para ter atenção dos pais briga com o irmão mais novo, quando a criança solicitar atenção com uma topografia diferente (como mostrar desenho) deverá receber atenção diferenciada de modo a diminuir a força do comportamento indesejado e estabelecer este novo elo.


Acredito que grupos pequenos de 5 a 6 cuidadores seja ideal. Importante dividir encontros que envolveriam apenas cuidadores e aqueles em que seria essencial presença das crianças. Indico que encontro semanas seja adequado. A depender do perfil da população do território, intervenção com número total de encontros seja funcional (inicio e fim estabelecidos).

Outro ponto importante é estabelecer claramente fluxo de encaminhamento para o grupo, pois é comum que equipe de saúde encaminhe constantemente sem fazer análise dos casos. Analisar os casos com antecedência de encaminhamento para o grupo previne que haja encaminhamentos inadequados, como perfil de usuário que seria melhor atendido individualmente, gerar expectativas na população de desenvolvimento atípico quando o serviço deste grupo é focado em desenvolvimento típico, entre outros inconvenientes.

Finalizo indicando que esta é uma aposta de que os conhecimentos produzidos em ambiente controlado possam fundamentar intervenções em APS, no entanto saliento que toda e qualquer adaptação entre conhecimento produzido e serviços vivos requererá cuidados e sucessivas melhorias.

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