Já falamos de tantas coisas, não é? Mas deve está rolando aquele sentimento "Mas, e os conteúdos sobre sentimentos, emoções, memórias?", enfim, tudo aquilo que parece dar o encanto de se fazer Psicologia. Eventos Privados, também conhecidos como Eventos Encobertos, é um dos temas que vez por outra ainda gera polêmicas entre behavioristas radicais e não behavioristas radicais.
Neste pequeno momento, vamos apenas tentar dar alguns contornos sobre o tema.
Tudo aquilo que o organismo faz é comportamento. Melhorando, toda relação entre ambiente e organismo é comportamento. Mais uma vez, comportamento é a interação entre um organismo e seu ambiente. Comportamento é a relação entre o homem e seu mundo.
Como já falamos aqui, aqui e aqui, comportamento não se reduz apenas a ações observáveis, aliás, esta divisão entre eventos abertos e eventos encobertos é apenas uma forma didática de diferenciarmos ações mais observáveis que outras. Por exemplo, a ação de chutar uma bola não é apenas uma perna se movendo em direção a uma bola, requer que o aparato fisiológico interno se comporte conjuntamente com o aparato visível. Ou seja, não é apenas os músculos da perna e seu nervos, mas o cérebro e suas terminações nervosas, sistema digestivo quebrando glicose e jogando-a no sangue. Em resumo: o organismo se comporta como um todo!!!
Assim, não há divisão entre sistema digestivo e motor, entre sistema nervoso e secretor, dependendo das condições ambientais e como ela nos afeta, teremos inúmeras mudanças em nosso organismo, que podem até ser analisadas separadamente (cartesianamente), mas que para os contextos de Psicologia só farão sentido se analisarmos em conjunto. Sendo assim, não faz sentido falar em psicossomática em Análise do Comportamento, não há uma mente e um corpo, há apenas um corpo que a todo momento está em interação com o ambiente.
Mas, sim, e os sentimentos né!?
Bom, vamos pegar o exemplo do amor. Desta maneira, quando amamos, amamos com corpo todo, todo nosso organismo (e há quem diga que behaviorismo não é poético). A concepção de amor que temos é construída por uma comunidade. Não é algo que existe fora de nossa comunidade verbal. O que isso quer dizer? Quer dizer que aprendemos a discriminar determinadas sensações e contextos em que ela ocorrem. Aprendemos a responder relacionalmente a aquelas situações dizendo: estou apaixonado, estou amando, isso é amor!
Estaria eu mentindo? Bom, vamos a outro exemplo. Você já sentiu banzo? Você pode compreender esse sentimento pelo jogos de linguagens o que pode ser, mas você nunca passou por treino prévio sobre o que era sentir banzo. Banzo, nos livros de história, é o sentimento que os escravos sentiam em relação a saudade de sua terra natal, a qual eles foram apartados, chegando a morrer por não se alimentarem. Por jogos de linguagem nos referimos ao uso de palavras como ferramenta para nos relacionarmos com o mundo, seja para compreendermo-lo ou modificá-lo (lembrando que outras pessoas são parte do mundo, ou seja, pedir 'por favor' é modificar a possibilidade de alguém lhe atender).
Continuando, e pegando o gancho da palavra saudade. Vocês com certeza já devem ter sentido saudade. É um sentimento precisamente brasileiro (segundo meus amigos que estudam inglês). Não existe o sentimento saudade em outras culturas (eles se referem a língua inglesa), apenas na nossa brasileira. Então, quer dizer que saudades não existe para japoneses? Pode ser que sim. Não é porque um nome existe ou substitui outro que este nome existirá como um correlato real, físico ou metafísico. Por exemplo, pegando auxílio de Wittgeinstein (filósofo pragmatista), para isso usaremos um exemplo com a palavra este que existe em nossa linguagem:
- Você consegue explicar a palavra este sem que seja de modo relacional? Você conseguiria explicá-la só com o uso de outras palavras, sem o auxílio de gestos para uma pessoa que não estivesse lendo este texto? Conseguiria explicar de um modo que apenas suas palavras fossem suficientes para esta pessoa compreender o significado (função) da palavra este?
Pois bem, é partindo deste princípio que sentimentos só existem se eles desempenharem uma função dentro de uma sociedade. Eles existem a partir do momento que a comunidade aprende a discriminá-lo e nomeá-lo. Seu significado é derivado da sua função social. Behaviorismo é a abordagem psicológica mais social de todas! Então, vamos a uma belíssima citação:
"É a cultura que permite o autoconhecimento e o autogoverno como modo de preparar os indivíduos a atuarem socialmente e como modo de garantir a reprodução de práticas culturais. É através da comunidade verbal que se constrói uma parte importante do repertório dos seres humanos: sua subjetividade." (ANDERY, 1997, p. 202)
"A nossa subjetividade por paradoxal que pareça, talvez seja a mais social de todas as características humanas" (ANDERY, 1997, p. 202)
Outros exemplos: até pouco tempo atrás, pelo menos em minha humilde experiência de vida, não se ouvia falar de mulher que estavam com TPM. Não se ouvia falar em TDAH. Não se ouvia falar de depressão ou em esquizofrenia nas cidades interioranas, mas de doença dos nervos. Então, doença dos nervos deixou de existir ou foi funcionalmente substituídas pelas doença mentais psiquiátricas? Afinal, quem sabe mais sobre o que eu sinto? Eu ou os médicos psiquiatras? Bom, derivado deste contexto temos toda uma luta de alguns médicos e demais profissionais de saúde contra o modelo bio-médico o medicocêntrismo, a qual a população foi refém: as verdades instituídas por uma comunidade verbal detentora de poder! (E dizem que behavioristas não tratam de temas sociais e nem são críticos)
Este aqui é o filósofo Wittgeinstein. Bom, ele não é muito bonito, né? Mas podre de rico! Mas vocês já tiveram curiosidade de pesquisar e ver uma fotografia de J. P. Sartre? |
Então, compreender sentimentos em Análise do Comportamento requer um exercício intelectual que rompa com o senso comum que ainda impregna muitos textos acadêmicos quanto a condição dos sentimentos como reação, entidade interior, evento místico e inexplicável etc. Em alguns casos, são textos que tratam sentimentos como coisas naturalizadas, que exitem enquanto objeto passivo (como uma pedra), como coisas, e podem ser medicadas. Não, sentimentos são eventos funcionais, que assim como os demais comportamentos, só ocorrem em relação a determinados contextos.
Remédios poderão alterar condições biológicas (parte do aparato fisiológico) que possibilita determinado sentimento ocorrer, mas, em muitos casos não modificará as condições na qual o sentimento de depressão, por exemplo, se desenvolveu. Ou seja, é em muitos casos um paliativo que não agi sobre as condições que fizeram com que determinado sofrimento ocorra e se mantenha. O que alguns autores chamam de camisa de força invisível e indolor.
Sendo assim, sentimentos são um tipo de comportamento. Ou seja, sentimentos são um tipo de relação singular entre homem e seu mundo. Sentimentos são o homem em relação ao seu mundo com determinações sociais, que influenciam na compreensão deste fenômeno. Sentimentos são um fenômeno cultural!
Assim, sentimentos são um fenômeno que leva em conta os três níveis de seleção do comportamento, pois requer um aparato biológico capaz de se comportar de determinada maneira, requer que o sujeito aprenda a se perceber e requer que sua comunidade valide seu sentimento, por meio de um treino prévio.
Sentimentos não são apenas uma reação mecânica do organismo com o mundo, como nossa cultura prega. Sentimentos são comportamentos, podem ser tanto comportamentos respondentes como comportamentos operante (saiba mais aqui). Sentimentos são passíveis de serem estudados como qualquer outro comportamento, porém, como são comportamentos que ocorrem a um nível de difícil acesso, geram dados pouco confiáveis, mas que, nem por isso, nos impedem de analisar funcionalmente.
Está complicado? Não entre em pânico. O jovem que vos escreve apenas se empolgou com o tema. Ainda será revisitado diversas vezes, talvez, chegando a se tornar até repetitivo, mas é por se tratar de um tema polêmico, pois é um contra-censo aos modelos de compreensão de sentimentos dentro de nossa cultura e da cultura acadêmica em Psicologia.
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