domingo, 30 de março de 2014

Memória, Behaviorismo Radical e uma Cena do Filme Ninfomaníaca


Memória é comportamento. Ou seja, memória é uma relação entre um organismo e seu ambiente. Porém, trata-se de um comportamento que se diferencia de ações motoras pela simples questão de sua acessibilidade a outros observadores que não a própria pessoa que se comporta. A estes fenômenos chamamos de eventos encobertos e pode ser lido mais sobre esse assunto na seguinte postagem: Subjetividade e Eventos Privados.

Para exemplificar o processo de lembrar e esquecer como relacional com o ambiente, utilizaremos um exemplo advindo do filme Ninfomaníaca.

Começaremos com uma belíssima citação retirada do livro "Fundamentos de Psicologia: temas clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento":

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"Memória em Análise do Comportamento é comportamento, e deveria ser estudada a partir da análise das variáveis que controlam e afetam sua probabilidade de emissão. Assim, seria importante trocar o substantivo "memória" por verbos como "lembrar" e "esquecer", e descrever as ações que os verbos denotam diante de situações nas quais as pessoas lembram ou esquecem." (ARANTES; MELLO; DOMENICONI, pp. 56-57)

As autoras tratam que o processo de lembrar é muito similar ao processo de perceber e atentar para as coisas no mundo. Ou seja, ou um estímulo no ambiente elicia uma resposta ou determinados estímulos aumentam a possibilidade de lembrarmos algo. Mas dito de um modo mais simples: lembrar é a capacidade de conseguir fazer algo novamente.

Exemplo 1 (eliciação de respondentes): quando um garoto ouve a música "All you need is love", dos Beatles, e se lembrar rapidamente de sua namorada, pois houveram diversos emparelhamentos entre o estímulo neutro música dos Beatles e os estímulos incondicionados "contatos amorosos" prévios com a namorada, temos um exemplo de lembrança por eliciação de respondentes emocionais.

Exemplo 2 (emissão de comportamento de lembrar): Já quando, eu tento procurar algum objeto que eu perdi, tento refazer os caminhos pelos quais andei. Eu estou buscando suporte ambiental para lembrar, pois lembrar não é uma atividade mental/interna, mas que trata da relação entre homem e mundo. Ter o suporte ambiental ao refazer o caminho que percorri, ajuda-me a lembrar onde deixei o objeto procurado. A estimulação ambiental me dá contexto para me comportar da ultima maneira a qual estive em contato com o objeto procurado. Importante: nem todo comportamento operante ocorre de modo intencional e consciente!!!

No segundo caso, ocorre um processo comportamental conhecido como Treino Discriminativo. Treino discriminativo é quando um estímulo discriminativo (SD) sinaliza que se eu me comportar de determinada maneira eu produzirei consequências reforçadoras. Consequências reforçadoras podem ser positivas e negativas.

1. Reforço Positivo: é quando uma consequência aumenta a probabilidade de um determinado comportamento ocorrer em situação semelhante a inicial, pois sinaliza que um estímulo prazeroso será adicionado ao ambiente. Positivo se refere ao processo de adição de estímulo.

2. Reforço Negativo: é quando uma consequência aumenta a probabilidade de um determinado comportamento ocorrer quando retira um estímulo aversivo (desagradável) em situações semelhantes a inicial. Negativo se refere a retirada de um estímulo do ambiente.

O exemplo a seguir retirado do filme Ninfomaníaca (2014) tenta exemplificar o conceito de Desaprendizagem. Desaprendizagem (ou extinção) é o processo pelo qual o processo de lembrar não é reforçado, ou seja, vai perdendo a função de existir (a função de ocorrer). Fala-se em Análise do Comportamento que um comportamento só continua ocorrendo porque existem consequências mantenedoras, quando há uma função para que determinado comportamento ocorra, o reforço.

Cenas do Filme:







Sendo assim, esperamos que fique claro que, ocorre uma extinção do comportamento operante, pois a cadeia comportamental de "lembrar" => "se masturbar" => "obter orgasmo" (reforço positivo) não estava ocorrendo de maneira similar ou em magnitude esperada a que ocorreu no passado, enfraquecendo assim as relações contingenciais que mantinham a cadeia comportamental.

É como o processo de esquecer um ex-namorado(a), com um tempo, as músicas que eliciavam respondentes emocionais de prazer já não tem efeito (processo de extinção respondente) e olhar determinadas fotografias lembrando do passado do relacionamento não produzem sensações prazerosas (processo de extinção operante), mas sensações desagradáveis (se o final do relacionamento não foi amistoso: relacionamento tornou-se tema aversivo).

Com o passar dos anos, olhar novamente as fotografias apenas emitirá respostas conhecidas indiferença, pois não tem função reforçadora (gostar da pessoa) ou aversiva (sofrimento pelo fim do relacionamento). Afinal, aquelas relações comportamentais simplesmente não tem função de existir, não trazem consequência reforçadoras.

Apesar dos excessos de termos técnicos, espero que tenha ficado claro o conceito de memória na perspectiva Behaviorista Radical!

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